Todo dia

Tudo nele parecia-me se repetir.

Lembro-me bem das primeiras vezes que o vi. Era mais que jovem e menos que senhor, meio calvo, óculos retangulares, suaves. De início, nada de extraordinário em seu semblante ou em suas ações. Pegamos sempre o mesmo ônibus, o de 06:15.

Bom, pode ser que eu seja muito observador, ou então o mundo está muito extravagante, sei lá! Sei que era todo dia. Todo dia que o via, repetia os mesmos gestos: corria desengonçado até o ponto de ônibus, guarda-chuva numa mão, jornal de 25 centavos debaixo do braço e mala na outra mão; calça jeans surrada, camisa pólo e tênis de esportista branco e vermelho.

Todo dia.

Sempre que chegava ao ponto, parecia conversar sozinho, reclamar de algo, do imposto, do preço do feijão ou qualquer coisa do tipo. Pegava o jornal, dava uma olhada na página esportiva, e então recolocava-o debaixo do braço. Retirava sua carteira (cheia de cartões: banco, comprovantes, telefones) e a sacodia, ouvia barulho de moedas. Às vezes me parece que a carteira conspirava contra ele, pois as moedas ficavam todas de cabeça pra baixo. Ele então retirava seu R$1,65.

Todo dia.

Ao entrar no ônibus, parecia sempre atônito. Ao se sentar (quando conseguia), terminava de ler seu jornal popular.

Todo dia. Desengonçado, guarda-chuva, jornal, R$1,65, ônibus...
Todo dia. Resmungo baixo, jeans surrado, comprovantes...
Todo dia. Carteira, preço do feijão... Jornal...

Mas... Espere um pouco...

Acabo de perceber que eu também estou todo dia no mesmo ponto. Pegando o mesmo ônibus, prestando atenção às mesmas coisas, lendo os mesmos autores, ouvindo as mesmas músicas... Sempre.

Todo dia.

2 observações:

Beki Girl disse...

Bom, primeiramente queria dizer e parabenizar pelo perfeito discurso que você fez na camâra, dês das citações de leis que muitos de nós cidadãos às vezes esquecemos que elas existem, até a reflexão "..de quantas copas teremos que ter para haver melhoria..."; não sei se foi mesmo com essas palavras, mas o principal assunto abordado não esqueço. É dificil achar alguém que escreva e aborde um tema como você fez eu realmente fiquei admirada. Parabéns!
Bom, gostei muito do texto ás vezes somos tão observadores com o mundo ao nosso redor, que acabamos esquecendo que para que haja toda essa observação de dias e dias temos que estar fazendo também as mesmas coisas... É legal poder vêr e observar a rotina das pessoas mesmo que essas estejam longe de nós. Gostei mesmo do blog e dos textos =]
Espero poder voltar ;)

Beijos!

Otávio Zonatto disse...

É, Marcão... essa coisa de rotina é foda! Parece que estamos sempre nos repitindo. E fica cada vez mais difícil de fugir disso. Talvez o jeito seja inovar de vez em quando, quando dá. E tem rotinas que são boas também. Todo sábado estar na pracinha do Baptista com aquela galera... nenhuma vez é igual a outra, mas é sempre o mesmo lugar com as mesmas pessoas... e é sensacional! Te cuida, meu escritor (oq q vc vai caçar com engenharia? rsrs)

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